King_leer (KL)
Hélder,
Ao consultar o teu vasto curriculum reparo que és igualmente músico. No entanto, não é por aí que quero ir. Descreve-nos quais as tuas actividades principais no momento (podes acrescentar algum link se pretenderes).
Hélder Martins (HM)
(KL)
A música como uma Ciência. Muitas pessoas não a encaram assim. Pelo menos numa primeira aproximação. Dá uma ajuda à nossa causa e explica-nos um pouco quais as opções que hoje em dia um aspirante a estudante desta Ciência pode escolher?
(HM)
Não tenho muita paciência para discutir este assunto… Acima de tudo porque essa «visão» que dizes existir e que eu também reconheço existir não é mais do que a revelação de uma profunda ignorância. Não se trata de «visão», trata-se de factos. Não é preciso, para provar a importância da Música ou o seu valor, dizer que a Música é um Ciência. Depois, em vez de falarmos de «Música» deveríamos falar de «Músicas» porque a música não é uma Linguagem Universal mas sim um Comportamento Expressivo Universal. Por partes:
A Música é arte e ciência (julgo que qualquer enciclopédia começa a definição de Música desta forma). Quando falamos de Música falamos de um comportamento expressivo profundamente humano e cuja origem se desconhece. O primeiro documento conhecido até hoje que aborda de forma especulativa a Arte dos Sons (à qual nós chamamos Música) data do Quarto Milénio antes de Cristo e foi encontrado na actual região do Irão. A abordagem científica da Divina Arte (a Música) começa a ter maior expressão nas Antigas Civilizações Avançadas. Porém, é com Pitágoras (séc. V a.C., aprox.) que se desenvolvem os primeiros estudos científicos em Música e que estão na base do Universo Sónico e da construção das Escalas Ocidentais. Estas Escalas Ocidentais, ou o Cromatismo das Escalas Ocidentais difere de outros sistemas musicais onde existe um diferente número de notas na «escala» (Índia, Extremo Oriente, África Ocidental…): nós temos 12 notas (dentro de uma Oitava: dó a dó) na Índia há sistemas que possuem o dobro e ainda se podem subdividir, outros sistemas são mais «curtos». Ou seja, enquanto no Ocidente um ouvido não treinado conseguirá aperceber-se de intervalos acústicos melódico e/ou harmónicos de ½ Tom, outras culturas poderão ouvir intervalos inferiores (1/4 e 1/8 de Tons, o que para nós poderá soar a… desafinação…). O Sistema Ocidental deve-se, portanto, aos primeiros estudos de Pitágoras e dos seus discípulos da Escola Pitagórica (onde se estudavam quatro ciências: Aritmética, Música, Astronomia e Geometria: segundo Pitágoras, as 4 ciências que promoveriam a elevação e a purificação do espírito humano). Através dos documentos encontrados na Grécia Antiga é possível perceber a importância da Divina Arte (a Música). Aliás, uma máxima política da altura dizia: “ deixai-me compor os hinos de uma Nação que a mim pouco importa quem fará as suas leis”. Esta máxima referia-se ao poder educativo da Música. A Música era a linguagem dos Deuses, aliás, no Antigo Testamento existem muitas passagens que nos referem os «poderes» atribuídos à Música e a sua criação divina (comum a outras correntes religiosas). Os escritos de outros filósofos, Platão ou Aristóteles, também abordam as questões relacionadas com a Música.
Portanto, a partir de Pitágoras a actividade científica relacionada com a Música passa a ser algo diferente da actividade artística. Esta tradição foi seguida pelos musicólogos do Cristianismo…
Ao contrário do que pode parecer, em Portugal existe tradição musicológica (científica, portanto) a Escola de Santa Cruz de Coimbra, que deu origem aos Estudos Gerais – antes da Universidade – já possuía estudos em Música. Compreende-se, uma vez que a Música era a linguagem de Deus.
As Ciências Musicais possuem várias áreas de estudo, actividade/produção: Teoria e Análise, Acústica, Organologia, Musicologia Histórica, Etnomusicologia, Electroacústica… Para os interessados, existem cursos de Musicologia/Ciências Musicais nas Universidades de Aveiro, na Nova de Lisboa e na de Évora. Para se seguir qualquer curso superior de Música é necessário passar nos exames (pré-requisitos) e só depois proceder à candidatura. Para passar nesta primeira prova é necessário ter conhecimentos que se situarão entre o 5.º e o 8.º Grau (ano) dos Cursos do Conservatório.
(KL)
Em conversa antiga com o Simon Warner, docente da Universidade de Leeds, ele comentou que alguns artistas tinham passado pelas suas aulas de estudos musicais o que os fez (segundo os próprios) tornarem-se ainda melhores músicos. Tens casos destes? Músicos mais conhecidos que tenham tido uma carreira académica?
(KL)
(HM)
Sim, o Jazz é importante para mim uma vez que decidi estudar o Estado-Novo e as suas políticas culturais tendo com caso de estudo o fenómeno do Jazz em Portugal. Gosto também de World Music, Pop-Rock Alternativo… a música de dança não me atrai.
Mas… a Música Erudita é a «minha» Música.
(KL)
Quais as grande lutas para quem é docente hoje em dia e, nomeadamente, na tua área?
(HM)
Bem, julgo que depende do ciclo de ensino em que se está. No ensino superior, na minha opinião, seria conveniente rever o Estatuto de Bolseiro de investigação científica, actualizar o valor das Bolsas, criar, verdadeiramente, a carreira de investigador.
(KL)
Para terminar, aqui no blog faço muitas vezes um trabalho tipo “CSI”, onde procuro descobrir o que determinada música/letra esconde. A maioria das vezes com a ajuda dos próprios músicos. Se calhar uma disciplina a explorar, não? Indica uma música que mais te tenha influenciado, seja pela melodia ou pela sua história (letra). Se puderes partilhar connosco o porquê, óptimo.
(HM)
A Semiótica é fantástica. Não houve só uma música mas várias, do Tradicional ao Erudito. Contudo, as obras que mais me tocaram foram as da Música Erudita, das várias épocas. A ópera Orfeu de Monteverdi, na interpretação de Jordi Savall (ver video player); Stabat Mater de Pergolesi, na interpretação de Cristophe Rousset; o Requiem, a Flauta Mágica, a D. Giovanni, as Sinfonias de Mozart… Bach: o grande mestre; Beethoven… Sibelius, Mahler… e os portugueses Carlos Seixas, Domingos Bomtempo, Marcos Portugal, Luís de Freitas Branco, Joly Braga Santos, Jorge Peixinho, Emanuel Nunes, Eurico Carrapatoso, João Pedro Oliveira… não sei. De todos eles gosto de algo, se não for de tudo em alguns…
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